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A mulher anônima e uma arma

Before I Forget by Slip Knot on Grooveshark

Despertador. Abriu seus olhos como se estivesse preparada para a batalha, mas era apenas mais uma manhã comum. Escovou os dentes, penteou seu cabelo, retocava aquele seu batom vermelho sangue. Sorriu  para o espelho e acariciou aquela imagem que se refletia pelo vidro. Ligou seu mp4 e saiu de casa ouvindo Slipknot. Não era seu estilo musical e não o escolheria escutar enquanto caminhava, mas era uma dica do seu namorado. Queria brincar um pouco com o destino: por todas as peças no caminho em qual queria e já saber do resultado. Se mostrou armadora das surpresas da vida e quis apenas seguir. Só não sabia, ou fingia, que nem todos os caminhos são livres de armadilhas e algumas podem ser fatais. Optou, como sempre, em deixar pra lá. A moça em questão, a mulher anônima, conhecera seu namorado numa lanchonete pela quinta a noite e demonstrou seu interesse num sorriso tímido. Ela era garçonete, ele o cliente. "Por conta da casa", soltou naquele dia e ele respondeu com aquele sorriso cafajeste que ela não enxergava. Tudo o que ela via era um homem de porte atraente, sorriso gostoso e um olhar que a fazia sonhar com cenas longe dali, ou ali mesmo. 


Chegou na casa dele. Estranhou as janelas fechadas, o silêncio e o segundo carro na garagem. Abriu a porta com curiosidade e, ao mesmo tempo, medo de algo ter acontecido. Foi até a cozinha, ela sabia de todos os segredos daquela casa, pegou uma faca e abriu uma das gavetas perto do fogão. Encontrou a arma: colocou-a atrás da sua cintura e se sentiu um pouco mais segura. Subiu as escadas e perguntou pelo seu benzinho - ouviu uns palavrões e passos apressados do quarto dele. "Amor?" Foi caminhando com seu olhar de curiosidade e a faca na mão. Cena cruel: seu homem nu estava fodendo a ex daquele outro amigo viciado que sempre visitara aquela casa. Ficou em choque. Imóvel. Sem palavras. A anônima teria ficado como uma estátua de cera e um olhar perdido. "Eu posso tentar explicar..." Quis tentar de alguma forma revirar aquela situação. Mas não deveria ter aberto aquela boca. Um grito estérico assustou os vizinhos e a amante que se espantara com aquilo, apenas tentou correr. Ainda deve estar perdendo bastante sangue com aquela facada no ombro. Porta se fechou e mostrou um retrato de sangue. Então, seu foco finalmente era ele. 'Por quê? Ela fode melhor que eu? Por que, amor? Como você a encontrou? Ela te obrigou, não foi? Essa vadia!' Nada confirmado.

Começou a relembrar de como tinham se conhecido, como tudo começou como uma verdadeira história de amor e que ele tinha destruído tudo. Destruído tudo aquilo que ela sonhou, todos os seus desejos e expectativas que tinham sido frustradas. Ele era o culpado. Ele deveria pagar. Então, como a única tentativa que poderia ter tido êxito, ela ouviu um pedido de desculpas, um pedido de recomeço, um pedido de casamento. Uma respiração mais tranquila, mas suave, uma expressão mais amável. Ele pensou que tinha acabado até vê-la com uma arma na mão. Agora as regras tinham mudado. Vamos revirar esse jogo, ela falou". Foi se aproximando dele com um sorriso destorcido - a mulher ainda gemia de dor - "Você nunca me conheceu de verdade". E apenas se perguntava o porquê. Ela não conseguia compreender, aceitar, se controlar.

Expectativas: Ela era uma doida que tinha entrado na vida daquele homem por acaso, mas que não demonstrava o tanto que era perturbada. Nunca tinha encontrado o amor ou algo parecido. O único erro foi tê-la encontrado naquela noite, naquela lanchonete que ela nem trabalhava e sorrir para ela com aquele sorriso de quem quer sexo, mas que conquista. Ele se via morrendo numa assassinato rápido e sem dor. Perder sua vida por algo tão fútil e por uma mulher desequilibrada.

Realidade: A mulher anônima ligou para a polícia e informou uma briga naquele mesmo local que estava. Desligou o telefone. Ele não entendeu aquela atitude. Talvez ela já tivesse feito aquilo. Chegou perto da mulher ferida, parecia tão frágil/entregue,  e a obrigou segurar aquela arma. Ela foi a mira certa: a louca, ou a mulher anônima que ninguém sabia seu nome, fechou seu olho direito e pressionou o indicador da ferida para atirar dentre as pernas do rapaz. Gritos de dores, lamentos em soluços e uma risada sacana. 

"Você vai ser presa, sua louca..." murmurava a laranja do tiro. "Eu adoro desapontar" respondeu.








Obs: Há muito tempo não postava nessa tag "Mente Assassina". Espero que tenham gostado! Lembrando que comentários sempre incentiva e me deixa feliz.

Comentários

  1. Uau! Arianne, que texto incrível. Forte, articulado e bem construído, nos deixa com vontade de uma continuação!
    Acompanho você pela página do face e sempre admirei muito a tua escrita, e fico feliz te ter visitado o blog, é muito bonito e eu gostei muito daqui. Com certeza continuarei acompanhando teus personagens, textos e contos sempre por aqui ou la no face.
    Parabéns, de verdade!
    Beijos, b.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bianca, que lindo o seu comentário. Realmente fico feliz por ter se impressionado com o texto. Na verdade, eu sempre postava contos assim (muitos com erros ortográficos), mas sempre postava. Mas muitas coisas apareceram e parei de postar no blog. Enfim! O que eu quero dizer mesmo é agradecer sua visita e comentário. Comentários assim sempre me incentivam. ^^

      beijos

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  2. Uau! Arianne, que texto incrível. Forte, articulado e bem construído, nos deixa com vontade de uma continuação!
    Acompanho você pela página do face e sempre admirei muito a tua escrita, e fico feliz te ter visitado o blog, é muito bonito e eu gostei muito daqui. Com certeza continuarei acompanhando teus personagens, textos e contos sempre por aqui ou la no face.
    Parabéns, de verdade!
    Beijos, b.

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  3. Em situações de traição, todo mundo se torna desequilibrado e louco, e talvez até assassino mesmo. Se não quer mais, então não traia, termina que é mais digno. Beijo

    Mundo de Nati
    @meuamorpravoce

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    1. Hahahaha. O lance é que a personagem sempre foi desequilibrada. ;)

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  4. Esse texto requer atenção redobrada, sempre uma segunda leitura. Cara, toda a história gira rápido demais, no ritmo certo. Parece sempre que tem um compasso ditando o ritmo das suas palavras. "Eu adoro desapontar" que maravilha. O seu blog é sempre uma surpresa, impossível não se apaixonar.

    O melhor texto de traição que eu já li.

    Beijos

    www.eraoutravezamor.blogspot.com

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    1. Oh, Mayra... Sua visita sempre é tão querida por aqui. Muito obrigada pelo carinho! E, sim, a história gira rápido demais e fico muito feliz por você ter pego essa essência!

      beijos

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  5. Seu texto se desdobra em múltiplas sensações. É difícil intuir direito o que a leitura dela causa. Um pouco de desconforto, uma estranheza na forma tétrica de desfiar os acontecimentos. O findar assusta. Na verdade, começa sutil, com um leve suspense, numa maneira teatral de contar, depois vai aguçando e crescendo em intensidade até o clímax adentrar magistral. Causa medo até. Assassinatos, crimes passionais cheiram a loucura, mas causam bastante tormento. Gosto de ser atacado por este clima pesado.

    A mulher se reservava, mas continha bem esse lado perturbado. Ele fez esse lado aflorar com uma genialidade absurda. Quem mandou trair não é? Pagou para ver esse lado negro...

    Você se supera em Arianne...

    Eu de vez em quando escrevo alguns contos, mas passam longe, em qualidade, dos teus.

    Beijo carinhoso!

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    1. Alexandre, já não sei como agradecer esses seus comentários tão completos. Obrigada por isso, obrigada por sentir minhas palavras! Eu vou conhecer o seu blog, sim, me desculpe não ter o feito ainda. Mas são tantas coisas em tão pouco tempo... Enfim, muito obrigada e espero vê-lo sempre por aqui.

      Beijos!

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  6. Minha tag preferida é "Mente Assassina", e esse conto reúne as características que justificam minha preferência. Muito bem narrado, seco (mas profundo), e ainda introspectivo, o que se trata de artifícios perfeitos quando queremos/ousamos pensar/falar em mentes assassinas.

    Parabéns

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    1. Sou tua fã, Matheus! Chega ser uma honra tê-lo por aqui. Confesso que essa tag é uma das preferidas também, mas não quero assustar meus leitores sempre, né? hahaha

      Obrigada!

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  7. Uou, surpreendente. Concordo com a Mayra que a história gira rápido demais, de um jeito bom, eu acho. Gostei(:
    Beijos, Arianne♥

    http://menina-do-sol.blogspot.com.br/

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  8. Nossaaaaa! Eu não tenho essa ousadia louca de criar personagens tão malvados/perturbados. Admiro quem consegue pôr esse lado obscuro do ser, na escrita. Tentarei exercitar isso, acho demais, a gente sempre espera que esses personagens peguem menos pesado e eles sempre nos surpreendem. Adorei, Ari.

    Beijão, Sabrina. (www.spiderwebs.com.br) ♥

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    1. Hahahaha! Obrigada, Sabrina! Tenta mesmo, esses personagens tem um carinho especial vindo de mim. ♥

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  9. Arianne, o que eu digo? VOCÊ ARRASA MUITO!
    Incrível tua forma multifacetada de imaginar escritos!

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    1. Hahahaha. Nossa! Valeu mesmo, Déborah >.< ♥

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  10. Uuau mais um show da poetiza, viajei no mágico mundo do faz de contas, sou um fã das suas belas e inteligentes criações, vc leva o (a) a deliciar-se entre curvas não sabidas e soluções inesperadas, que mágico e trépido final, com chave de ouro e apoteótico, um mimo, pra vc bjos, bjos e bjosss.

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  11. Arih, Sou Natasha do Enxergando... Passei só para lhe fazer uma visitinha e... Apaixonei-me por sua mente! Sério! Nossa! Não sei nem o que dizer... Isso é por causa da fascinação... Simplesmente, fantástico! Seu blog já está aqui nos meus favoritos, e, com certeza, vou continuar a seguir. Beijão!!

    (http://www.enxergando.com.br/)

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  12. Este comentário foi removido pelo autor.

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  13. Quero morrer teu amigo menina kkkk
    Sensacional.
    Quando foi o enterro dos dois traidores?

    www.cchamun.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  14. Torna-se completamente difícil encontrar as palavras para poder elogiar este conto. Sou apaixonado por histórias deste tipo e você soube fazer uma trama envolvente, algo que vai além de uma briga de casal, algo que vai além de uma simples morte ou de uma simples traição, a cada passo que você tenta prever algo, as coisas mudam, você soube fazer com que o leitor se surpreenda a cada paragrafo do texto.

    Parabéns, Ari, pode ter certeza que estarei aqui sempre lendo seus textos, acompanhando seus personagens, porque você escreve magnificamente bem.

    Beijos.
    http://intro-verso.blogspot.com.br/

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