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Amor e outras drogas




Ela estava convicta que o amor era assim: "Preciso de você sempre aqui; por favor, não vai embora; metade da laranja". Aquela sensação que se sente apenas uma vez,  aquela vez que tudo parece bonito. Ela acreditava que o amor era uma necessidade absurda de ter alguém, cuidar de alguém, trocar algo que chamam de amor com outra pessoa. A culpa não era dela, não explicaram que nem sempre é recíproco e ao decorrer dos anos (e dos baques) a vida vai nos levando para uma experiência nova. Os nossos olhos ficam mais acostumados com a verdade e o coração representa o que ele realmente é, até parece fácil. Ele estar em nós para bater, não para ter sentimentos. O coração foi transformado numa metáfora para suprir a dor que realmente nos causa. Foi quando, num dia desses que nem imaginamos que mudará nossa vida, ela inventou de encontrá-lo (vê-lo outra vez) e sugeriu a lanchonete da esquina. Finalzinho de tarde, jovens nas praças, casais apaixonados e um sorriso no rosto de uma menina que acreditava estar num conto de fadas. 

Achá-lo ali foi fácil, ele a esperava na entrada da lanchonete. Aquele estilo de atleta com chiclete na boca, óculos escuros e uma motocicleta estacionada. "Oi", "Oi". Ela o abraçou forte, sim, ela o abraçou. Ela não conseguiu sentir a falta do abraço dele naquela hora. Porque ele simplesmente não a abraçou. Nem a falta de outras coisas que precisaria sentir.  "Mas o que eu fiz de errado? Eu beijo mal? Me fala!" A menina não sabia mais se questionava o porquê ou o que ela precisaria mudar. E, mudar algo, implica modificar algo que não estar dando certo. Mas auto se mudar é algo que implica mais que uma escolha, é uma necessidade que só cabe de nós para nós.

"Apenas não estou mais afim, você tem que entender". 
"Entender? Não estou conseguindo entender, porque tudo simplesmente dói".
"Você levou tudo tão a sério. Se toca, menina."
"Os passeios, os sorrisos dentro do cinema, os seus abraços..."
"Para. Para e se torna mais mulher" - ele disse olhando nos olhos daquela menina que, naquele exato momento, estava descobrindo como era continuar vivendo aguentando a dor. Ela não conseguiu pensar nela, mas pensou em todas aquelas mulheres da praça. Pensou em como é difícil amar demais, em como é perigoso mergulhar de cabeça numa praia desconhecida, em como os sentimentos vão se esgotando. Pensando que todos carregam uma dor consigo em silêncio. E continuam vivendo. Viu ele indo embora e aguardou dentro de si a verdadeira lição dali. Ali estava indo embora o cara responsável por deixá-la no mundo da lua e o mesmo responsável por empurrá-la em meio ao espaço. Flutuando para outro planeta sem resposta. 

Ele estava deixando de ser o cara que ela amava para se tornar mais um. Mais um que teve que virar um texto para ser desabafado por completo de sua vida. Ou, simplesmente, apagado. 

Comentários

  1. Já me senti assim, abandonado e renunciado. Continuo me sentindo da mesma maneira, mas agora já não me importo tanto. Estou tão apático, feito um gato que não quer mais comer e fica brincando com a ração, empurrando-a de lá para cá. As pessoas que me despertaram interesse me parecem tão desinteressantes agora, tão transparentes com suas preocupações, sonhos e maneiras de se divertir. Sempre tão previsíveis. E era exatamente dessas pessoas que eu queria a companhia, a atenção. Alguns ainda me dizem que isso acontece porque sou muito fechado. Introspectivo, essa é a palavra. Doce engano, pequena mentira, não é assim. Quem me conhece de perto sabe que mudei, que me esforcei, que tentei muito fazer amigos, mas não tive chance. Eles são tão rápidos, tão seletivos, tão rigorosos, tão medrosos e babacas. Eu, que não sabia realmente o que era sentir o preconceito na pele, no osso e na alma, agora sei. Um preconceito mudo, ferino. Não há mais tempo para mim, não há uma desculpa. Para eles, sou apenas parte da mobília, ninguém conhece o universo que tenho em mim.

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    1. Uau, Jefferson! Que grande desabafo. Acho que seremos eternamente assim. Isso parece ser tão triste contado assim, mas é uma verdade que sabemos que vai acontecer. Eu não entendo o porquê de tantas artistas (cantores ou escritores) sofrerem dessa dor absurda. Esse apego. Me sinto depressiva até quando estou rindo.

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  2. Nossa, como sempre mais um texto incrível e repleto de significado. Uma frase me saltou aos olhos "Pensando que todos carregam uma dor consigo em silêncio." É a mais pura verdade, por baixo de toda a superficialidade das máscaras e dos sorrisos há sempre uma dor, seja ela recente, antiga, passageira ou incurável. É tão fácil amar, penso eu que o mais difícil mesmo é desatar os laços e os nós e desamar, é um processo comprido, delicado e amargo.

    Talvez um dia o feitiço volte-se contra o feiticeiro e ele sinta como é receber o frio dos não gestos e das palavras.

    Mais um texto que evidencia o teu dom com as palavras, és a meu ver uma exímia domadora de palavras.

    Beijão, querida.
    www.semprovas.blogspot.com

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    1. Sempre, May! É sempre repleto de significados. Pessoas, momentos e dor. O teu carinho para com o blog me rodeia de amor. Não sei como agradecer esse teu carinho por aqui. ♥

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  3. Ele estava deixando de ser o cara que ela amava para se tornar mais um...

    Isto é corriqueiro em nossas vidas. Muitas vezes pesamos que achamos a metade da laranja mas na verdade é a metade do limão.

    O resto... a Mayra escreveu por mim - rsss.

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    1. Hahaha. Metade do limão, perfeito, Claudio! ♥

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  4. A gente não pode se prender em alguém. Amor é um sentimento que deve fluir livre, sem que haja responsabilidades além da que diz respeito a nós sobre nós mesmos. Cada um é alicerce de si. Não é legal nos ampararmos nas costas de um amor, porque não é justo jogarmos a responsabilidade para esse amor. Ninguém é obrigado a gostar da gente. Infelizmente é difícil aceitar isso. Não é motivo para a gente crucificar alguém só porque ela não gosta. Às vezes nós mesmos precisamos nos afastar de alguém porque ela nos ama, mas não. A pessoa está sendo sincera e nos poupando de sofrimentos maiores. Se ela não gosta, porque ficar com a gente sem gostar? A pessoa está certa. Para ficar junto é preciso sintonia e cumplicidade no sentir. Os dois precisam se gostar. Os dois precisam ser inteiros. Não podemos querer que alguém que não gosta fique com a gente só por capricho nosso ou só porque nós gostamos. Não nos sentiríamos amados. Deixe o amor ir quando ele não corresponde. Respeite o direito dele não gostar. Sentimento não é algo que pode ser ligado e desligado. Surge independente, nasce quando menos esperamos. Deixe o amor pra quando ele vir dos dois.

    Texto intenso.

    Como sempre encantando nas letras minha querida pernambucana.

    Escrevi um conto sobre abuso semana passada, não sei se viste... Mas convido. Não é tão bem escrito quantos os seus, mas tenta rs

    Beijo!!

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    1. Como comentar sobre esse comentário tão completo? É maravilhoso ler esses encontros que vocês tem com cada texto meu. Sinta um abraço apertado, Alexandre. Muitíssimo obrigada por esse carinho tão visível.

      Beijo!

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  5. Simplesmente lindo, vivido e esquecido. Beijos

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  6. É muito bom quando a gente se encontra no texto de alguém porque, de alguma forma, já passamos por isso. já fui a garota abandonada vendo o seu amor primeiro indo embora. Mas algum rapaz certamente irá se identificar no papel do garoto que abandona.
    Entretanto, apesar de desabafos belos e outros nem tanto, é interessante como isso serve de aprendizagem. A gente cresce, no fim das contas.
    Abraços.

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    1. Lindo, Nina. É tão bom te ver por aqui! ♥

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  7. Amar demais não significa não poder amar de novo.

    Só podemos tentar.

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    1. Claro que não. Sempre estamos amando demais, todos os dias. Nos pequenos detalhes. (:

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  8. É que a gente se apega demais nas pessoas e esquecemos que todos somos livres, que as vezes a gente enjoa, que as vezes o tempo passa, que as coisas tem de acontecer na hora certa e de que obstáculos aparecem para você vencê-los, mas isso a gente só consegue compreender bem lá na frente, quando olha pra trás e se toca de que tudo isso foram tijolos fortes para a edificação da nossa casa!

    Identidade Aleatória

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    1. Sim! Quando esquecemos que somos livres, tudo se torna pior.

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  9. Ah Arih, você traduziu tudo. Errei pra caramba de uns meses pra cá, inventei de me apaixonar por um cara muito, mas muito idiota. E junto com isso vieram os amigos de infância demonstrando indiferença. É que nem o Jefferson comento lá em cima... Com muito sacrifício estou mudando, ficando mais fria com esse povo. Passando a ter total repugnância por quem diz que os escritores são "uns exagerados, gostam de aparecer, nada mais" Só sabe quem sofre na pele.

    Beijão. :)

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    1. Glean, adoro esses comentários. Sempre estamos errando. Eu acho que todos os dias temos experiências que devemos guardar e sobre o exagero dos escritores... Tenho que concordar. Exageremos porque sentimentos demais.

      Beijos ^^

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