Memorizar datas sempre é uma tarefa difícil para mim, por isso que eu não quero arriscar uma data específica do dia que conheci, de fato, o escritor Eduardo Galeano. Chuto dizer que o conheci em meados de 2010, e o lugar do encontro não poderia ter sido melhor: numa biblioteca pública do estado de Pernambuco, localizada no centro da cidade do Recife. Foi através de um amigo que pude conhecer Galeano e os seus infinitos abraços através de grandes histórias.
Uruguaio, Eduardo Galeano (1940-2015) traz em seus textos uma mistura de inquietações que nos são poeticamente compartilhadas. A beleza, a emoção e o sofrimento sendo descritas em poucas linhas e que nos transbordam com reflexões. A minha primeira leitura de Galeano foi “O Livro dos Abraços”, da editora L&PM, com tradução do Eric Nepomuceno. E, segundo o tradutor, Galeano foi o único escritor a revisar com ele todas as linhas das obras traduzidas antes de serem oficialmente publicadas no Brasil. Isso mostra o carinho imenso que o Galeano tinha pelo nosso país.
Com uma mistura entre ficção, jornalismo, política e história, Galeano nos permite questionar sobre o papel das suas obras dentro de uma história das ideias, sendo positivas ou negativas, em relação a América Latina, principalmente na segunda metade do século XX. Não há dúvidas que o seu posicionamento nos permite concluir que Eduardo sempre manteve, ao menos em suas obras, um pensamento crítico, do qual considera fundamental avaliar e questionar a realidade latino-americana em relação direta a exploração, marginalização e discriminação que sofremos.
Foto pessoal @ariannecmorais |
Li apenas três obras de Galeano, “O livro dos abraços”, “Mulheres” e "O Caçador de histórias”, em todos pude contemplar uma estética singular e provocativa através de suas palavras perfeitamente escolhidas nos seus minicontos. Até nas mais fantasiosas histórias, o leitor é convidado a entrar entre o fictício e não-fictício, nos quais saímos deslumbrados após as leituras.
Em uma nota do livro O Caçador de Histórias (2016), também da editora L&PM, Eric Nepomuceno diz:
Era de uma exigência assombrosa, de um rigor extremo. Conhecia [Eduardo Galeano] perfeitamente o português falado no Brasil, sabia descobrir a musicalidade das palavras, rearmávamos as frases para que, como dizia ele, ficassem “redondas”. Juntos, buscávamos palavras inexistentes para trazer ao meu idioma neologismos que ele criava no dele (p. 5).
Autor de “As veias abertas da América Latina”, obra que preciso urgentemente ler, Galeano traz em suas histórias questões políticas, filosóficas, pessimistas e de admiração. Temos uma leitura da América Latina como nunca vista, pelo menos para mim. Dessa forma, a sua obra de grande prestígio tanto de crítica como de leitores, “As veias abertas da América Latina” é considerada uma leitura clássica para os seguidores e estudiosos das filosofias anticapitalistas e anti-imperialistas na América Latina durante os últimos 40 anos. Entretanto, Galeano lamenta “que o livro não tenha perdido a atualidade”. Alguém que já tenha lido o livro concorda com o autor?
Ao terminar o “O Livro dos Abraços”, um livro de histórias curtas, reflexões, sonhos, que como a maior parte dos livros de Galeano é difícil de classificar, eu tive a sensação de uma leitura não esgotada. Durante a leitura, somos apresentados num ritmo frenético a diversos mundos numa perspectiva singular e bastante poética de Galeano. Não há uma temática única que perpasse pelo livro, mas sentimos que há um pedido ao leitor: desperte-se às pequenas coisas que te circulam no mundo. Galeano consegue nos atingir no mais íntimo com suas breves palavras, sobre cotidianos que não são os nossos, mas que nos identificamos por estarmos na mesma América. Você vai gostar da leitura se tem interesses por histórias curtas, políticas, fantásticas e bem escritas... Retratando uma realidade do Uruguai, do Brasil (o autor amava muito o nosso país) e de pessoas comuns que ele conheceu do dia-a-dia. Entretanto, você não vai gostar se prefere que o livro tenha suas temáticas organizadas e divididas, e também com histórias que apresentem um começo, meio e fim.
Já no livro “O Caçador de Histórias”, obra póstuma de Galeano, posso dizer que o título é uma perfeita definição de como enxergo o autor: um caçador de histórias. Em todas as outras que eu li dele, eu senti essa sensação de caça às histórias pela América Latina e que conseguia escrever ricamente em poucas linhas.
“O título também é dele. Ao final, quando estava fechando o livro, um amigo lhe perguntou como era possível que desse esse título, se não era capaz de matar nem uma mosca. Isso o fez pensar, mas ao final voltou à ideia inicial. Eu adoro. Ele era um caçador de histórias. Levava sempre consigo uns caderninhos onde anotava ideias. E se nutria das conversas que tinha com todo mundo, porque era um grande conversador”, disse o editor ao jornal argentino La Nación (achei esse trecho pertinente e foi retirado da matéria: Eduardo Galeano, o eterno caçador de histórias).
E, por fim, a minha última leitura dele foi “Mulheres”, que através de personagens femininos marcados por coragem, luta e intensidade, Galeano compartilha conosco histórias femininas como Joana d'Arc, Eva Perón ou as Mães da Praça de Maio, Frida Kahlo, Camille Claudel... Por outro lado, ele também compartilha mulheres anônimas, como uma mulher que luta na Comuna de Paris, as que estão num prostíbulo da Patagônia argentina e que se negam a receber alguns soldados que tinham reprimido uma greve de peões da cidade local. Sempre com histórias curtas que conseguem dizer muito.
Deixo para vocês um trecho de uma história do livro O Caçador de Histórias:
“Nasci no dia 3 de setembro de 1940, enquanto Hitler devorava meia
Europa e o mundo não esperava nada de bom. Desde muito pequeno, tive uma
grande facilidade para cometer erros. De tanto errar, terminei
demonstrando que ia deixar uma profunda marca da minha passagem pelo
mundo. Com a sã intenção de aprofundá-la, tornei-me escritor, ou tentei
sê-lo. Meus trabalhos de maior sucesso são três artigos que circulam com
meu nome na Internet. Na rua as pessoas me param, para me parabenizar, e
cada vez que isso acontece começo a desfolhar a margarida: – Me mato,
não me mato, me mato... Nenhum desses artigos foi escrito por mim”.
Espero que vocês tenham gostado da primeira resenha de 2018!
Então, qual/is livro/s vocês estão lendo no momento?
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